TEXTO:
Jegue de candidato causa briga em frente a hotel cinco estrelas
Renato Lombardi
Um pequeno jegue, de não mais de um metro de altura, foi o pivô de uma das mais insólitas ocorrências já registradas no 4º. Distrito Policial, na Consolação. A região central viveu uma grande confusão, anteontem à noite, a partir da discussão entre o agente de segurança do Hilton Hotel, Edilberto Batista Gomes, de 28 anos, e o candidato a vereador pelo PMDB Osvaldo Martins de Oliveira, de 42 anos, por causa do animal. No final, todos os envolvidos acabaram presos, inclusive o jegue.
Oliveira, conhecido como Vadão, estava desde o começo da tarde com seu jegue no centro da cidade participando de protestos contra o presidente Fernando Collor. Puxando o burro, Vadão passou pelas Praças da Sé e Ramos Azevedo. Quando seguia para a Rua da Consolação pela calçada da Avenida Ipiranga, o jegue resolveu dar uma parada na porta do Hilton.
Um grupo de turistas americanos começou a bater palmas ao ver o animal com duas placas com os dizeres "Impeachment já" e "O Brasil é Nosso e Não Dele". A atitude do jegue, que tem o mesmo apelido do candidato, irritou o segurança do hotel Gomes. "Tire logo esse animal da calçada porque aqui é um hotel cinco estrelas e lugar de burro é na cocheira", ameaçou Gomes.
Vadão disse que a Constituição lhe garantia o direito de ir e vir. Isto irritou ainda mais o segurança. "Ele deu um bico na perna direita traseira do jegue e ameaçou aleijar o animal", acusou o candidato. O gesto de Gomes revoltou Vadão, os turistas americanos e as pessoas paradas na porta do hotel. A Polícia Militar foi chamada. Soldados queriam obrigar o candidato a tirar o jegue do local. "Falei que meu animal fora agredido e que o segurança deveria ser preso."
Para aumentar ainda mais a confusão, o jegue começou a zurrar. Mais de 20 pessoas _ turistas, gente que passava em frente ao hotel, policiais e seguranças _ se envolveram na discussão. Um soldado queria que todos fossem embora, mas mudou de ideia quando o jumento resolveu "fazer suas necessidades", na escadaria de acesso ao hotel. "Vai todo mundo prá delegacia, até o burro", ordenou o militar.
No 4º. DP, um problema na hora de apresentar o jegue ao delegado Inácio de Melo: Vadão fez algumas tentativas, mas não conseguiu fazer o jegue, de 10 anos, subir os 20 lances de escada para chegar até a entrada do plantão. Acabou ficando em frente do prédio da delegacia, vigiado por um soldado. Um boletim de ocorrência por "maus tratos contra animal" foi elaborado e ele encaminhado para exames no Centro de Zoonose, sendo liberado no começo da manhã de ontem.
Na clínica veterinária onde está internado, o jegue ontem ainda sangrava pela perna traseira direita. Revoltado com a agressão, Vadão quer o segurança na cadeia.
(O Estado de S. Paulo, 11/9/92.)
ANALISANDO O TEXTO
1. A forma verbal "causa", constante no título da reportagem, pode ser considerada uma ocorrência do chamado "presente histórico" porque o presente se refere aí a fato já ocorrido e concluído, apresentando-o com maior vivacidade.
2. O tempo verbal que predomina no primeiro parágrafo é o pretérito perfeito do indicativo (foi, viveu, acabaram). São processos acontecidos e concluídos no passado, passíveis de serem localizados com precisão (anteontem à noite).
3. Os tempos verbais presentes no segundo parágrafo são o pretérito perfeito do indicativo (passou, resolveu) e o pretérito imperfeito do indicativo (estava, seguia). O imperfeito indica o processo que estava em curso quando ocorreu o processo indicado pelo perfeito.
4. O gerúndio verbal presente no segundo parágrafo (puxando) indica processo que se prolonga de forma concomitante a outro (indicado pela forma verbal passou).
5. "Tire logo esse animal da calçada..." A forma verbal destacada está na terceira pessoa do singular do imperativo negativo. Trata-se de um comando, de um enunciado destinado a alterar o comportamento do ouvinte. No discurso indireto, corresponde a: "O segurança mandou que ele tirasse logo aquele animal da calçada porque ali era um hotel cinco estrelas e lugar de burro era na cocheira."
6. "Vadão disse que a Constituição lhe garantia o direito de ir e vir." No discurso direto, corresponde a: "Vadão disse: _ A Constituição me garante o direito de ir e vir."
7. "Falei que meu animal fora agredido e que o segurança deveria ser preso." Falei: pretérito perfeito do indicativo; exprime processo acontecido e concluído no passado; fora: pretérito mais-que-perfeito do indicativo; exprime processo concluído em momento anterior a outro passado; deveria: futuro do pretérito do indicativo; exprime fato futuro em relação a outro fato passado. A forma fora, do verbo ser, participa da formação da voz passiva analítica; a forma deveria, do verbo dever, confere noção de obrigatoriedade à locução.
8. O quinto parágrafo apresenta muitos tempos verbais: começou, envolveram, mudou, resolveu, ordenou: pretérito perfeito do indicativo, que indica processo ocorrido e concluído no passado; passava: pretérito imperfeito do indicativo, que indica processo passado concomitante a outro processo passado; queria: pretérito imperfeito do indicativo; indica processo continuado concomitante a outro no passado; fossem: pretérito imperfeito do subjuntivo; relaciona-se com o pretérito imperfeito do indicativo queria, da oração principal; vai: presente do indicativo, com valor de imperativo.
9. O tempo verbal empregado na última frase do texto (quer) é o presente do indicativo; indica que o desejo de Vadão permanece, estendendo-se desde a época dos acontecimentos narrados até o momento da leitura do texto.
10. Os tempos verbais que predominam no texto são o pretérito perfeito, o pretérito imperfeito, o pretérito mais-que-perfeito e o futuro do pretérito do indicativo. Com esses tempos, costuma-se estruturar os textos narrativos na língua portuguesa. Os outros tempos ficam normalmente restritos ao discurso direto e às orações subordinadas.
11. No quinto parágrafo, a palavra prá não deveria receber acento gráfico porque se trata de um monossílabo átono. Essa e outras palavras estão em destaque porque são formas populares.
12. O texto proporciona diversos pontos de vista e impressões para reflexão: o autoritarismo; o abuso de autoridade, tão comum ao empregado que recebe algum poder de seu patrão; o preconceito social; a defesa dos direitos pessoais; maus tratos com os animais etc.
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