OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: A nova ortografia da língua portuguesa tornou-se obrigatória no Brasil em 1º. de janeiro de 2016, após o período ampliado de adaptação, que expirou em 31 de dezembro de 2015. Ela foi oficializada pelo Acordo Ortográfico assinado em dezembro de 1990 pelos países lusófonos. Portanto, este Blog, sendo, há quatro anos, veículo fidedigno dos fatos de nosso idioma através dos mais variados textos, seguirá rigorosamente a ortografia oficial a partir da presente publicação.
TEXTO:
Ser e saber
Vi o vento soprar
e a noite descer.
Ouvi o grilo saltar
na grama estremecida.
Pisei a água
mais bela que a terra.
Vi a flor abrir-se
como se abrem as conchas.
O dia e a noite se uniram
para ungir-me.
O enlace de luz e sombra
cingiu os meus sonhos.
Vi a formiga esconder-se
na ranhura da pedra.
Assim se escondem os homens
entre as palavras.
A beleza do mundo me sustenta.
É o formoso pão matinal
que a mão mais humilde deposita
na mesa que separa.
Jamais serei um estrangeiro.
Não temo nenhum exílio.
Cada palavra minha
é uma pátria secreta.
Sou tudo o que é partilha
o trovão a claridade
os lábios do mundo
todas as estrelas que passam.
Só conheço a origem:
a água negra que lambe a terra
e os goiamuns à espreita
entre as raízes do mangue.
Só sei o que não aprendi:
o vento que sopra
a chuva que cai
e o amor.
(IVO, Lêdo. Crepúsculo civil)
ANALISANDO O TEXTO
1. O título do poema é formado por dois verbos. Ser é classificado como um verbo anômalo por causa das grandes irregularidades que apresenta. No presente do indicativo, a primeira pessoa é sou; no presente do subjuntivo, a forma correspondente é seja. No pretérito perfeito, o tema é fo-, tirado de foste. Saber é um verbo irregular. No presente do indicativo e do subjuntivo, as primeiras pessoas são, respectivamente, sei e saiba. No pretérito perfeito, o tema é soube-, extraído de soubeste.
2. Nos verso "Vi o vento soprar / e a noite descer.", o verbo ver é irregular: vej-o; vi-ste, mas o verbo descer, não. Na verdade, o verbo descer apresenta um problema ortográfico, porque existe alternância entre as letras c e ç em sua conjugação (desço, desci, desça, desceste).
3. Ouvir é regular no tempo em que é usado no texto: ouvi, pretérito perfeito do indicativo. Esse verbo é irregular nas formas derivadas do presente do indicativo (ouço, ouça).
4. Ungir, conforme vários gramáticos, é um verbo defectivo, pois não apresenta a primeira pessoa do singular do presente do indicativo. O presente do subjuntivo desse verbo não pode ser conjugado. O modo imperativo se limita às formas diretamente derivadas do presente do indicativo: unge tu, ungi vós.
5. Cingir é outro verbo em que acontece problema ortográfico, havendo alternância entre as letras g e j (por exemplo, cinjo, cinges).
6. No verso "Jamais serei um estrangeiro.", a forma verbal destacada possui a seguinte formação: infinitivo impessoal + desinências.
7. Na última estrofe, aparece a forma verbal cai. Ela é irregular, pois as formas regulares possuem -e, e não -i.
8. É possível dividir o texto em partes com base nos tempos verbais usados. Nas três primeiras estrofes, ocorre o pretérito perfeito nas orações principais (vi, ouvi, pisei, uniram, cingiu). Isso se estende até os dois primeiros versos da quarta estrofe (vi); nos dois últimos versos, surge o presente do indicativo, que predomina até o final (escondem, sustenta, deposita, separa, temo, é etc.). O poema está claramente dividido em dois momentos principais: um que fala do passado do sujeito lírico e outro que trata de seu presente. Os tempos verbais tornam explícita essa divisão. Outros tempos aparecem esporadicamente, como por exemplo o futuro do presente.
9. Nas primeiras estrofes do poema, o sujeito lírico faz um relato de experiências sensoriais. São experiências do mundo natural. O sopro do vento, a descida da noite, o salto do grilo, a água, a flor aberta constituem as experiências que formarão o sujeito lírico, que afirma que a beleza do mundo o sustenta.
10. A partir da quinta estrofe, o sujeito lírico fala de seu modo de ser. As experiências do mundo natural serão fundamentais para a constituição de um sujeito lírico que só sabe o que não aprendeu, isto é, que só conhece realmente aquilo que apreendeu sensorialmente junto ao mundo.
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