sábado, 19 de maio de 2012

Ano I - número 3 - mai./jun. / 12 : A língua - texto 1

TEXTO: poema - autor: Patativa do Assaré
O poeta da roça

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabaio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mio.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão, 
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o caboco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquero vestido de coro,
Brigando com o toro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade.
Cantando as verdade das coisa do Norte.


ANALISANDO O TEXTO
1. A língua é o principal código desenvolvido e utilizado pelos homens em sua vida social. Por isso, ela será transformada no centro de nosso interesse nesta série de três textos a ser apresentada. Três textos com três formas diferentes assumidas pela língua portuguesa.
2. A forma de língua utilizada neste primeiro texto imediatamente nos remete à realidade sertaneja. O poeta popular Patativa do Assaré optou conscientemente por essa forma, como bem o demonstra o texto.
3. Trata-se de uma poética, isto é, um texto que expõe as propostas de criação de um poeta. Por causa disso, a forma lingüística optada pelo artista se harmoniza com a temática de sua poesia. Ele escolheu abordar a realidade sertaneja, utilizando para tanto o falar do sertão. Concluímos que as formas regionais da língua podem produzir literatura de bom nível.
4. As formas "fio", "mio" e "paioça" (correspondentes, na língua culta, a "filho", "milho" e "palhoça", respectivamente) e os plurais "das mata", "das brenha", "das roça e dos eito", "dos home" devem ser considerados. Não são "erros" aleatórios. As diferenças entre essas formas e aquelas da língua culta possuem sua lógica própria. Na verdade, os denominados "erros" indicam mecanismos gramaticais distintos dos da forma culta. Tais mecanismos são coerentes. No caso, trata-se da eliminação sistemática de um determinado fonema ( representado pelo dígrafo consonantal lh) e da marca de plural no final dos substantivos, uma vez que o plural aparece nos artigos.   

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