quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Ano III - número 13 - jan./fev. / 14: Estrutura e formação das palavras - II: composição e outros processos - texto 2

         Neste início de 2014, o BLOG PROF. STEFAN - LÍNGUA PORTUGUESA - TEXTOS comemora festivamente o seu segundo aniversário. Juntamente com ele, os internautas leitores de diversos países, que, através dos textos apresentados, adquirem a real compreensão dos fatos da língua portuguesa.

TEXTO:
Cordão dos come-saco

         Em Londres, que ultimamente não tem sido uma capital das mais britânicas (ou talvez os britânicos é que não sejam tão londrinos assim, sei lá), vai se inaugurar uma exposição internacional de embalagem. Até aí, tudo normal, como dizem os anormais. Há, no entanto, uma nova indústria que se fará representar nessa exposição que está causando a maior curiosidade: a dos sacos comestíveis.
         Como, minha senhora, de quem é que é o saco? Calma, madama, eu já chego lá. A indústria foi inspirada na salsicha e isto dito assim fica meio sobre o jocoso, mas torno a explicar que, com vagar, se chega ao saco. É o seguinte: não sei se vocês já repararam que as salsichas, ultimamente, não têm mais aquela pele indigesta que a gente comia antigamente e ficava trocando seu reino por um bicarbonato. Hoje em dia, a pele das salsichas é fininha e a gente come sem o menor remorso estomacal posterior.
           Pois essa pelinha, irmãos, é de matéria plástica comestível. Foi inventada por um Thomas Edison das salsichas e aprovou num instante. E baseada nessa aprovação é que uma fábrica de embalagens estudou a possibilidade de fazer sacos para carregar comida das mercearias para o lar, capazes de serem também comidos, isto é, um saco de matéria plástica parecida com a das salsichas, que seriam vendidos aos armazéns e utilizados pelos fregueses para transportar a mercadoria comprada. Entenderam, ou tem leitor retardado mental?
           Agora, que fica bacaninha, isto fica. Num instante vão aparecer os estetas dos refogados, para melhor aproveitamento do saco. As Myrthes Paranhos do mundo inteiro vão publicar receitas de como se prepara um saco de matéria plástica para o almoço e os jornais, nas suas seções dominicais de culinária, terão títulos como este: "Saquinho de siri", "Saco au champignon", "Saco à la façon du chef", etc., etc.
            E parece até que aqui o neto do Dr. Armindo está vendo uma dessas grã-finas, sempre mais preocupadas com o aspecto exterior do que com o aspecto interior, fazendo um rigoroso regime alimentar e dizendo para a empregada, quando esta volta do mercadinho com as compras:
               _ Para mim não precisa preparar almoço, não. Eu como só o saco.
(Stanislaw Ponte Preta - Rosamundo e os outros)

ANALISANDO O TEXTO
1. O tipo de linguagem utilizado pelo texto é o registro coloquial. Comprovam essa afirmação as seguintes passagens: "sei lá"; "até aí, tudo normal"; "como, minha senhora"; "calma, madama, eu já chego lá"; "agora, que fica bacaninha, isto fica". O constante uso de formas diminutivas também constitui outra característica que justifica o caráter coloquial.
2. O cronista Stanislaw Ponte Preta trata os seus leitores com ironia muito bem-humorada. Pode-se observar isso através das seguintes passagens do texto: "Como, minha senhora, de quem é o saco? Calma, madama, eu já chego lá"; "Entenderam, ou tem leitor retardado mental?".
3. "Um Thomas Edison das salsichas" significa que Thomas Edison está por grande inventor. Já "ficava trocando seu reino por um bicarbonato" indica que alguém tudo faz para conseguir um remédio que o livre de uma desagradável indigestão.
4. Pela leitura do texto, é possível fazer a identificação de Myrthes Paranhos. Trata-se de uma especialista em culinária, muito popular na época em que foi escrita esta crônica. É evidente que ela mantinha uma coluna semanal em jornais.
5. A crônica possui um tom leve e bem-humorado, mas não deixa de ter um ácido direcionamento crítico. Critica a frivolidade do comportamento das classes sociais mais favorecidas, preocupadas apenas com a ostentação: "... uma dessas grã-finas, sempre mais preocupadas com o aspecto exterior do que com o aspecto interior...".
6. Quanto aos diminutivos: "fininha" e "bacaninha" possuem valor intensivo; "pelinha" e "mercadinho" indicam dimensões reduzidas.
7. No título da crônica, há o substantivo composto "come-saco". Ele corresponde a "puxa-saco". Essa relação é reforçada pela expressão "O cordão dos come-saco" e sugere que a moda dos sacos comestíveis iria talvez obter adeptos entre o "cordão" daqueles que aderem a todos os modismos e seguem todos os comportamentos considerados "novos". Sem dúvida, é um título completamente irônico.
8. A palavra "come-saco" nomeia um novo dado da realidade, isto é, um novo tipo de ser humano: o devorador de sacos comestíveis.
     


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