TEXTO: ANDRADE, Jorge. Pedreira das almas. O telescópio.
(Bié entra, vindo da cozinha; está sujo, com a roupa rasgada e o cabelo despenteado.)
FRANCISCO: Ninguém vai carregar meus móveis!
RITA: Ora, Francisco!
BIÉ: Pai! O Argemiro tá querendo batê uma prosa com o senhor.
FRANCISCO: Quantas vezes já disse para não falar assim?! Parece que tem prazer em ser atrasado. (Quase gritando.) Onde está o Argemiro?
BIÉ: Deixei ele no curral.
(Francisco prepara-se para sair. Rita vai para a cozinha.)
FRANCISCO: (A Bié.) Pegue a winchester e dê um jeito nos sanhaços. Estão acabando com as jabuticabas. (Raivoso.) Nunca vi passarinho mais daninho.
BIÉ: Num dianta. Esses sanhaços sabe falá até franceis. Nunca vi tão veiacos.
FRANCISCO: (Corrigindo.) Velhacos! Leve assim mesmo. Será sua obrigação de hoje em diante. Mas não quero que mate. Só para espantar. (Sai.)
BIÉ: Dá na mesma, né Leila? Veiacos ou velhacos, eles estraga do mesmo jeito.
LEILA: Adoro fazenda! (Subitamente.) Ainda existem as matas da "Vista Alegre"?
BIÉ: (Surpreso.) Por que não havera de existir? Lá, ninguém põe a mão.
LEILA: Assim que puder, vou ver a "Vista Alegre". Sempre achei o lugar mais bonito da fazenda. Tão repousante!
BIÉ: Meus magrelo também gosta muito. É onde quero morá.
LEILA: (Surpresa.) Na "Vista Alegre"?!
BIÉ: É. Faço meu rancho no meio da mata e quero caçá até rachá o cano da espingarda.
LEILA: (Mordaz.) Também, você não faz outra coisa: caçar, não é?
BIÉ: Qualé o meu!
LEILA: (Amável.) Não tem mau gosto. Acho a caça excitante, viril! (Olhando a cabeça de cervo pendurada na parede.) Nunca pude compreender como vovô conseguiu matar esse animal! Só de pensar em enfrentar um bicho desses ... me arrepio toda!
BIÉ: Vovô era macho sacudido! Pegava a unha se era preciso!
LEILA: Como você?!
BIÉ: (Sorri.) Tar qual!
LEILA: (Pequena pausa.) Bem! Se a "Vista Alegre" for minha, poderá caçar à vontade.
BIÉ: (Lentamente, depois de passar a mão na cabeça do cervo.) Éééé! Mais num vai sê!
LEILA: (Subitamente.) Quer me acompanhar? Tenho medo dos cachorros.
BIÉ: (Sorri satisfeito.) Ah! meus magrelo são mordedô memo. (Bié sai pelo corredor. Leila vai ao espelho do cabide e se arruma. Bié volta com uma winchester.)
ANALISANDO O TEXTO
1. A correção da forma "veiacos" para "velhacos" está ligada a uma parte da gramática chamada Fonologia, mais especificamente à ortoepia (ou ortoépia).
Formada por elementos gregos (orto = "correto"; epos = "palavra"), cuida da correta produção oral das palavras.
2. Em " ... eles estraga do mesmo jeito", existe um problema de sintaxe. É um erro de concordância entre o sujeito e o verbo. A frase deveria ser "Eles estragam do mesmo jeito.".
3. Em "por que não havera de existir?", o verbo "haver" deveria ter assumido a forma "houvera". A parte da gramática que se ocupa desse tipo de questão é a Morfologia.
4. Como se pode notar, o texto coloca em contraste diferentes formas de emprego da língua portuguesa. E a passagem em que se evidencia o valor social atribuído a uma dessas formas é a seguinte: "Quantas vezes já disse para não falar assim?! Parece que tem prazer em ser atrasado." O pai considera a linguagem de seu filho "atrasada".
5. "Dá na mesma, né Leila? Veiacos ou velhacos, eles estraga do mesmo jeito."
A passagem acima nos permite concluir que Bié não demonstra preocupações com a correção gramatical, mas com a realidade. Para ele, o mais importante é o que realmente acontece, e não a forma como se fala sobre o que acontece.
6. Bié é um tipo literário. O seu modo de falar é fundamental para sua caracterização como menino de fazenda. Ainda mais em se tratando de um texto teatral, em que a linguagem da própria personagem se integra a outros detalhes de caracterização, como a indumentária, a postura e a mímica.
7. As falas de Bié buscam reproduzir uma forma de língua que habitualmente não se representa por escrito. O autor do texto viu-se obrigado a improvisar essa representação escrita, conseguindo um resultado que, se é capaz de nos sugerir uma certa forma de falar, está muito longe de reproduzi-la fielmente. Tal questão não é simples, pois há uma dificuldade de se propor uma representação gráfica que possua correspondência com aquilo que efetivamente se fala. Se fosse possível essa representação, ela sofreria tantas variações quantas fossem as formas regionais de falar. Portanto, não seria viável abandonar a padronização ortográfica, substituindo-a pela reprodução escrita exata daquilo que falamos. A padronização, mesmo sendo trabalhosa, torna uniforme a forma escrita da língua.
BIÉ: (Lentamente, depois de passar a mão na cabeça do cervo.) Éééé! Mais num vai sê!
LEILA: (Subitamente.) Quer me acompanhar? Tenho medo dos cachorros.
BIÉ: (Sorri satisfeito.) Ah! meus magrelo são mordedô memo. (Bié sai pelo corredor. Leila vai ao espelho do cabide e se arruma. Bié volta com uma winchester.)
ANALISANDO O TEXTO
1. A correção da forma "veiacos" para "velhacos" está ligada a uma parte da gramática chamada Fonologia, mais especificamente à ortoepia (ou ortoépia).
Formada por elementos gregos (orto = "correto"; epos = "palavra"), cuida da correta produção oral das palavras.
2. Em " ... eles estraga do mesmo jeito", existe um problema de sintaxe. É um erro de concordância entre o sujeito e o verbo. A frase deveria ser "Eles estragam do mesmo jeito.".
3. Em "por que não havera de existir?", o verbo "haver" deveria ter assumido a forma "houvera". A parte da gramática que se ocupa desse tipo de questão é a Morfologia.
4. Como se pode notar, o texto coloca em contraste diferentes formas de emprego da língua portuguesa. E a passagem em que se evidencia o valor social atribuído a uma dessas formas é a seguinte: "Quantas vezes já disse para não falar assim?! Parece que tem prazer em ser atrasado." O pai considera a linguagem de seu filho "atrasada".
5. "Dá na mesma, né Leila? Veiacos ou velhacos, eles estraga do mesmo jeito."
A passagem acima nos permite concluir que Bié não demonstra preocupações com a correção gramatical, mas com a realidade. Para ele, o mais importante é o que realmente acontece, e não a forma como se fala sobre o que acontece.
6. Bié é um tipo literário. O seu modo de falar é fundamental para sua caracterização como menino de fazenda. Ainda mais em se tratando de um texto teatral, em que a linguagem da própria personagem se integra a outros detalhes de caracterização, como a indumentária, a postura e a mímica.
7. As falas de Bié buscam reproduzir uma forma de língua que habitualmente não se representa por escrito. O autor do texto viu-se obrigado a improvisar essa representação escrita, conseguindo um resultado que, se é capaz de nos sugerir uma certa forma de falar, está muito longe de reproduzi-la fielmente. Tal questão não é simples, pois há uma dificuldade de se propor uma representação gráfica que possua correspondência com aquilo que efetivamente se fala. Se fosse possível essa representação, ela sofreria tantas variações quantas fossem as formas regionais de falar. Portanto, não seria viável abandonar a padronização ortográfica, substituindo-a pela reprodução escrita exata daquilo que falamos. A padronização, mesmo sendo trabalhosa, torna uniforme a forma escrita da língua.
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