quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Ano VII - número 37 - jan./fev. / 18: Estudo das interjeições (classe invariável) - texto 3

         Todo início de ano, o júbilo toma conta do BLOG PROF. STEFAN - LÍNGUA PORTUGUESA - TEXTOS, na celebração do seu aniversário. Em 2018, a comemoração de seis anos, levando a seus assíduos leitores riquíssimos conhecimentos dos fatos linguísticos através dos textos selecionados.


TEXTO:
Uai!

Uai! é o que se diz, se o tempo vai
ou fica preso em nós, e lastimável.
Uai! para a manhã, o outono, o espasmo,
para os muros da infância e o amor sumido.
Dizer uai! uai! agora, e nunca
dizer senão uai! aos que fugiram,
tempos do mesmo uai! desirmanados.

(CÉSAR, Guilhermino.  Sistema do imperfeito & outros poemas.)


ANALISANDO O TEXTO
1. "Uai!" é o principal elemento estruturador do poema. Trata-se de uma interjeição que exprime surpresa, admiração, dúvida, desconcerto.
2. Essa interjeição faz parte da marcação rítmica do texto, isto é, a utilização dela no corpo do poema estabelece um ritmo de leitura particular aos versos.
3. A imagem "o tempo ficar 'preso em nós'" é representativa do processo de envelhecimento ou das formas do tédio.
4. As imagens utilizadas no terceiro e no quarto versos do poema se relacionam explícita ou implicitamente com a ideia da passagem do tempo apresentada nos versos anteriores: "manhã" e "outono" (explícitas); "espasmo" (de dor, de gozo?), "muros da infância" e "amor sumido" (implícitas; fases e momentos da infância).
5. O poema trata de um tema que atormenta o ser humano constantemente: a inexorável marcha do tempo, que não espera ninguém. Relaciona um tema grave com a interjeição "uai!" e atinge determinados efeitos, pois consegue mostrar como, na banalidade do dia a dia da pessoa mais comum, a passagem do tempo produz instantes de admiração e inquietude, expressas por um popular e mineiro "uai!". 

sábado, 18 de novembro de 2017

Ano VI - número 36 - nov./dez. / 17: Estudo das interjeições (classe invariável) - texto 2

TEXTO: 
Rola a chuva
Arre
que arrelia!
O frio arrepia
a moça arredia.

Na rua rola a roda...
Arreda!

A rola arrulha na torre.
A chuva sussurra.

Rola a chuva,
rega a terra,
rega o rio,
rega a rua.

E na rua a roda rola.

(MEIRELES, Cecília.  Ou isto ou aquilo)


ANALISANDO O TEXTO
1. "Arre" (interjeição) e "que arrelia!" (locução interjetiva) expressam admiração; "Arreda!" (interjeição) expressa afugentamento.
2. O poema de Cecília Meireles é caracterizado pela sonoridade. Ela a obtém através da aliteração e do jogo de vogais.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Ano VI - número 35 - set./out. / 17: Estudo das interjeições (classe invariável) - texto 1

TEXTO:
         
         Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem-assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronca excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz:
              _ Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez! ...
               E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos.
                 _ Ô gostosura de fim-de-mundo! ...
               E garrou a gritar as palavras feias todas e os nomes imorais que aprendera em sua farta existência, e que havia muitos anos não proferia.
(ROSA, Guimarães.  "A hora e a vez de Augusto Matraga".  In: Sagarana)


ANALISANDO O TEXTO
O fragmento apresenta traços próprios da linguagem oral. As interjeições e locuções interjetivas desempenham papel relevante na expressão das emoções das personagens: "Epa!", "Nomopadrofilhospritossantamêin!" e "Ô gostosura de fim-de-mundo!"
    

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Ano VI - número 34 - jul./ago. / 17: Estudo das conjunções (classe invariável) - texto 2

TEXTO:
Cota zero
Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?

(ANDRADE, Carlos Drummond de.  In: Carlos Drummond de Andrade - Obra completa)


ANALISANDO O TEXTO
1. A conjunção presente no texto (ou) classifica-se como coordenativa alternativa.
2. No terceiro verso (ou foi o automóvel), existe um verbo que está subentendido. Trata-se de parou.
3. A conjunção coordenativa alternativa ou liga orações que, embora diferentes e por vezes antagônicas, possuem o mesmo valor sintático. Na poesia, as palavras vida e automóvel possuem o mesmo valor sintático.
4. Cota significa a parte que cabe a alguém em uma sociedade. Já cota zero significa nenhuma participação.
5. Stop/pare: é a estaticidade abrupta. Na poesia, o sinal se refere a todo o texto. Por isso, é representativo estar na língua inglesa.



domingo, 21 de maio de 2017

Ano VI - número 33 - mai./jun. / 17: Estudo das conjunções (classe invariável) - texto 1

TEXTO:
Embora soneto

Vivo meu porém
No encontro do todavia
Sou mas.
Contudo
Encho-me de ainda
Na espera do quando
Desando ou desbundo.

Viver é apesar
Amar é a despeito
Ser é não obstante
Destarte
Sou outrossim
Ilusão, sem embargo
Malgrado senão.

(BARROS, Paulo Alberto M. Monteiro de Barros. (Artur da Távola) Calentura)


ANALISANDO O TEXTO
1. Soneto é uma forma poética fixa. "Embora soneto" pode ser interpretado como "ainda assim um soneto", em uma referência à forma do texto, que não corresponde à do soneto tradicional, ou como uma alusão à temática do texto, que é o constante conflito, o jogo de oposições permanente em que muitas circunstâncias da vida nos colocam.
2. "Contudo" é uma conjunção coordenativa adversativa.
3. As conjunções que aparecem no texto têm seu sentido ampliado pela forma como são utilizadas: "embora", "porém", "todavia", "mas", "quando", "apesar (de), "a despeito", "não obstante", "outrossim", "sem embargo", "malgrado", "senão". Essas conjunções assumem o sentido das suas relações costumeiras, indicando contraste, oposição e compensação.
4. Há constatações existenciais nos versos "Viver é apesar/ Amar é a despeito/ Ser é não obstante". As conjunções surgem com os sentidos de oposição, de adversidade e de compensação.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Ano VI - número 32 - mar./abr. / 17: Estudo das preposições (classe invariável) - texto 2

TEXTO: 
Indignação civil

         Talvez exista algo de quixotesco nas tentativas de refrear por meio de recursos jurídicos os casos mais evidentes de desperdício e de abuso que se registram no poder público brasileiro. Ações populares contra os gastos motivados pela viagem de Sarney a Paris, recursos contra o selo-pedágio e contra as injeções de dinheiro público em fundos de assistência privada não deixam, entretanto, de refletir um inconformismo diante de uma administração que se mostra incorrigível no desrespeito à opinião pública e que, esgotando-se na própria incapacidade de fazer frente ao processo inflacionário, tende a desmoralizar não só a si própria, como ao Estado brasileiro em seu conjunto.
         Sem uma constante vigilância da opinião pública, sem esse esforço quase desesperado de inconformismo, sem uma pressão cotidiana em defesa dos recursos do contribuinte, dificilmente será possível superar a crise atual; por remotas que sejam suas possibilidades de sucesso, tentativas desse tipo só podem despertar a simpatia da população.  (Folha de S. Paulo)


ANALISANDO O TEXTO
Entre as muitas preposições utilizadas no texto, duas se destacam como recurso enfático que o redator explora: "contra" e "sem". Um texto que trata de oposição a desmandos do governo e de instrumentos indispensáveis para combatê-los se constrói a partir da ênfase nas relações de oposição e privação, expressas através das preposições "contra" e "sem". 

domingo, 22 de janeiro de 2017

Ano VI - número 31 - jan./fev. / 17: Estudo das preposições (classe invariável) - texto 1

         No início do ano, o júbilo invade o BLOG PROF. STEFAN - LÍNGUA PORTUGUESA - TEXTOS, pois ocorre a comemoração de mais um aniversário e, desta vez, o quinto. Os seus privilegiados leitores, por sua vez, continuam aproveitando os preciosos ensinamentos dos fatos de nossa língua contidos em cada texto publicado.

TEXTO: 
Retrato

Sobre a mesa 
sob o tato
sem contato
com meus dedos,
não ligado
ao meu afeto:
seu retrato.

Não se perde 
numa concha
o mar
que nela
instilaram.
Seu retrato
sob o tato
não dos dedos
mas do afeto
perde
um pequeno
objeto
que se reflete
em abstrato:
meu silêncio
em seu retrato.

(CARLOS, Manoel.  Bicho alado.)


ANALISANDO O TEXTO
1. Nos quatro primeiros versos do poema, as preposições são exploradas sonora e semanticamente. A exploração sonora acontece sobretudo por causa do fonema inicial das três primeiras delas e do ritmo obtido pela sequência de versos curtos dos quais elas participam. Semanticamente, as preposições se dispõem em pares, formando antíteses: sobre/sob; sem/com.
2. No sexto verso do poema, há um fenômeno fonológico e gráfico. A preposição é a, da forma ao, que resulta da combinação entre a preposição e o artigo definido masculino o. Os termos por ela relacionados são o verbo ligado e o substantivo afeto.
3. No quarto verso da segunda estrofe, há a forma nela, que consiste na contração da preposição em com o pronome ela. Essa forma relaciona o pronome relativo que, que por sua vez se refere ao antecedente o mar, com a concha, estabelecendo uma relação de lugar. Desta forma: o mar - esse mesmo mar foi instilado numa concha - o mar não se perde nessa concha.
4. Nas expressões "em abstrato" e "em seu retrato", foram estabelecidas, respectivamente, as relações de modo e lugar.
5. O texto estabelece uma relação entre a concha (e o "mar que nela instilaram") e o retrato sobre a mesa (que "perde um pequeno objeto"). Essa aproximação (retrato/concha) se fundamenta em semelhanças e contrastes. Da mesma forma que uma concha carrega em si o mar que lhe foi instilado, o retrato carrega em si a imagem impressa. A concha é apresentada como preservadora do mar que carrega, enquanto o retrato permite escapar um pequeno objeto (o silêncio do observador, que é o eu lírico).