segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ano IV - número 22 - jul./ago. / 15: Estudo dos pronomes (classe variável) - texto 2

TEXTO:
Os meninos do Brasil
Clóvis Rossi

         SÃO PAULO - Primeiro, foi o "arrastão" nas praias do Rio. Logo depois, nas praias de Fortaleza. Um pouco mais adiante, na festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará. Desceu, em seguida, para a praça da Sé em São Paulo. Chegou ontem a Londrina, no norte do Paraná, cidade em que uma dúzia de lojas foi "arrastada" por bandos de menores movidos a cola de sapateiro.
          Vê-se que já não dá sequer para o tolo conformismo de achar que essa espécie de guerrilha urbana está restrita aos grandes centros, depósitos habituais de todos os problemas do subdesenvolvimento. Londrina parece ser apenas uma dessas cidades médias abençoadas pela alta qualidade de vida interiorana.
          É evidente que deve haver, nessa onda de "arrastões", um pouco de modismo. O pessoal vê pela televisão um grupo "arrepiando bacanas" no Rio de Janeiro e resolve fazer a mesma coisa na sua própria cidade. Copiar comportamentos alheios, muito divulgados pela mídia, é um fenômeno até certo ponto corriqueiro.
         O problema é que a matéria-prima para a repetição dos "arrastões" sobra no país. O Brasil, que sempre foi exemplo extremo de má distribuição de renda, tornou-se selvagem nestes muitos anos de estagnação econômica. Se há alguma indústria nacional que não sofre os efeitos da recessão é a fábrica de produzir miseráveis e marginalizados. Da marginalização à marginalidade e dela à brutalidade, a distância costuma ser curta.
        Conseqüência inevitável; os "bacanas" já estão todos arrepiados. Pior: tornam-se cada vez mais inúteis os discursos sobre a miséria, sobre a infância desamparada, sobre as injustiças sociais. A fábrica de produzir retórica sobre essa temática é, aliás, outro setor que não entrou em recessão.
         Seria altamente conveniente que admitíssemos de uma vez por todas que estamos, todos, desequipados para agir, em vez de discursar a respeito. Não é um problema que se possa resolver apenas por meio do poder público. Não é um problema que a filantropia de meia dúzia vá sequer atenuar. É uma guerra. Não serve de consolo saber que produziu poucas vítimas fisicamente até agora. Todo o país é vítima quando seus "bacanas" começam a odiar os meninos do Brasil.  (Folha de S. Paulo, 30/10/92.)

ANALISANDO O TEXTO
1. O relacionamento entre o primeiro e o segundo parágrafos do texto é em grande parte estabelecido pelo pronome demonstrativo "essa", da expressão "essa espécie de guerrilha urbana". Esse demonstrativo de segunda pessoa se refere a todo o contido no parágrafo anterior, por ele retomado e resumido a seguir na expressão "guerrilha urbana".
2. Na passagem "Londrina parecia ser apenas uma dessas cidades médias abençoadas pela alta qualidade de vida interiorana.", o sentido do pronome demonstrativo destacado é de valor indefinido, ou seja, uma das várias cidades.
3. O relacionamento entre o terceiro parágrafo e os anteriores é realizado sobretudo através de dois pronomes demonstrativos. São eles: "essa", da expressão "nessa onda de arrastões", e "mesma", da expressão "fazer a mesma coisa". Ambos se remetem à "guerrilha urbana", citada anteriormente.
4. No trecho "O Brasil, que sempre foi exemplo extremo de má distribuição de renda, tornou-se selvagem nestes muitos anos de estagnação econômica.", os pronomes destacados possuem a seguinte classificação: que: pronome substantivo relativo; se: pronome substantivo pessoal; estes: pronome adjetivo demonstrativo. Os pronomes que e se estabelecem relações: que substitui e retoma seu antecedente o Brasil na oração subordinada adjetiva encabeçada por ele; se já é parte integrante do verbo pronominal "tornar-se". Estes indica os anos mais próximos, mais recentes. É um caso típico de demonstrativo de primeira pessoa se referindo ao tempo presente.
5. "Se há alguma indústria nacional que não sofre os efeitos da recessão é a fábrica de produzir miseráveis e marginalizados." Os pronomes em destaque se classificam da seguinte forma: alguma: pronome adjetivo indefinido; que: pronome substantivo relativo. Que substitui e retoma seu antecedente indústria nacional na oração subordinada adjetiva que encabeça. Alguma possui o valor de uma certa, uma determinada. A frase apresenta ironia porque sua construção enfatiza o fato de que o país está em recessão e, ainda assim, essa "indústria" progride.
6. "Da marginalização à marginalidade e dela à brutalidade, a distância costuma ser curta." O pronome ela é classificado como pronome substantivo pessoal e substitui o vocábulo "marginalidade", evitando sua repetição e participando da criação de um encadeamento de causas e efeitos no texto. Esse pronome poderia ser substituído pelo pronome demonstrativo esta. Nesse caso, o pronome de primeira pessoa seria necessário para evitar dúvida quanto ao vocábulo substituído, o que poderia acontecer se fosse usado o pronome de segunda pessoa esse.
7. Nos dois últimos parágrafos, as conclusões a que chega o articulista são expostas. São utilizados neles diversos pronomes indefinidos: todos arrepiados, cada vez mais, outro setor, de uma vez por todas, todos, poucas, todo o país. O predomínio da forma todo e flexões assinala a busca de universalidade das conclusões expostas, pois tais pronomes expressam inclusão total.          

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