TEXTO:
Crenças primitivas
Marcelo Coelho
SÃO PAULO - O bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, sai sem dúvida fortalecido depois de 11 dias na prisão. Sua foto atrás das grades, lendo a Bíblia, não poderia deixar de ser vista por seus adeptos como uma espécie de martírio religioso; sabe-se, ademais, que as crenças e seus líderes ganham popularidade quando perseguidos pela lei.
As acusações que pesam sobre Macedo _ charlatanismo, curandeirismo e estelionato _ terão ainda de ser examinadas pela Justiça. O processo envolve questões complexas, como a da liberdade de religião, e a de em que os métodos utilizados pelo bispo para angariar seus fundos diferem dos de outros cultos.
Há, entretanto, dois aspectos neste episódio que transcendem o julgamento que se faça sobre as atividades de Edir Macedo. O primeiro é o da crescente demanda por todas as formas de crença que prometem alívio prático para as mazelas da existência, sem sutilezas teológicas; curas e milagres, em pleno final do século 20, são procurados sofregamente, paga-se por isso, e religiões mais cautelosas na mistificação tendem a perder adeptos. O fato pode ser desalentador, mas é dificilmente evitável.
O segundo aspecto é o de que, na prisão de Edir Macedo, transparece um desejo bastante generalizado nos dias que correm: o de ver pessoas famosas na cadeia. A impunidade geral como que atiça a opinião pública para ver alguém importante literalmente atrás das grades. Como as execuções públicas no século passado, a prisão é hoje uma espécie de espetáculo. Ainda que a idéia da privação de liberdade seja em muitos casos considerada anacrônica do ponto de vista penal, são muitos os que lamentam, sem dúvida, o fato de esse espetáculo ser tão raro no Brasil. E tanto a crença em curas milagrosas quanto o fascínio que a idéia de cadeia exerce na população _ para nada dizer da pena de morte _ talvez derivem de um mesmo primitivismo ideológico. (Folha de S. Paulo, 6/6/92.)
ANALISANDO O TEXTO
1. Os dois primeiros parágrafos, no conjunto do texto, possuem a função de apresentar o fato do qual o texto irá extrair suas considerações. Esse fato é a prisão do bispo Edir Macedo.
2. O terceiro parágrafo muda o encaminhamento dos dados apresentados nos dois parágrafos anteriores, pois deixa de atentar na prisão do bispo para centralizar-se nas implicações que podem ser tiradas de tal fato.
3. O numeral dois, no começo do terceiro parágrafo, relaciona-se com os numerais "primeiro" e "segundo". Esses numerais são muito importantes para a organização do texto. Observe que o cardinal indica a quantidade de implicações tiradas do fato apresentado inicialmente, enquanto os ordinais organizam a seqüência dessas implicações no desenvolvimento textual.
4. Os numerais ordinais utilizados no terceiro e quarto parágrafos poderiam muito bem ser substituídos por pronomes indefinidos. Pode-se empregar no lugar dos numerais um par de pronomes indefinidos, como "um (dos aspectos), outro (aspecto)".
5. O texto trata do grau de indigência social do Brasil, cuja população se apega a soluções milagrosas para o alívio de seus problemas. Uma nação pode ser construída a partir da consciência coletiva de que, ao invés dos milagres e da crença em métodos punitivos, o trabalho e a solidariedade são formas de se encaminhar a solução dos problemas sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário