segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ano I - número 6 - nov./dez. / 12: A gramática

TEXTO:   ANDRADE, Jorge.  Pedreira das almas.  O telescópio.

(Bié entra, vindo da cozinha; está sujo, com a roupa rasgada e o cabelo despenteado.)

FRANCISCO:  Ninguém vai carregar meus móveis!
RITA:  Ora, Francisco!
BIÉ:  Pai! O Argemiro tá querendo batê uma prosa com o senhor.
FRANCISCO:  Quantas vezes já disse para não falar assim?! Parece que tem prazer em ser atrasado. (Quase gritando.) Onde está o Argemiro?
BIÉ:  Deixei ele no curral.

(Francisco prepara-se para sair. Rita vai para a cozinha.)

FRANCISCO:  (A Bié.) Pegue a winchester e dê um jeito nos sanhaços. Estão acabando com as jabuticabas. (Raivoso.) Nunca vi passarinho mais daninho.
BIÉ:  Num dianta. Esses sanhaços sabe falá até franceis. Nunca vi tão veiacos.
FRANCISCO:  (Corrigindo.) Velhacos! Leve assim mesmo. Será sua obrigação de hoje em diante. Mas não quero que mate. Só para espantar. (Sai.)
BIÉ:  Dá na mesma, né Leila? Veiacos ou velhacos, eles estraga do mesmo jeito.
LEILA:  Adoro fazenda! (Subitamente.) Ainda existem as matas da "Vista Alegre"?
BIÉ:  (Surpreso.) Por que não havera de existir? Lá, ninguém põe a mão.
LEILA:  Assim que puder, vou ver a "Vista Alegre". Sempre achei o lugar mais bonito da fazenda. Tão repousante!
BIÉ:  Meus magrelo também gosta muito. É onde quero morá.
LEILA:  (Surpresa.) Na "Vista Alegre"?!
BIÉ:  É. Faço meu rancho no meio da mata e quero caçá até rachá o cano da espingarda.
LEILA:  (Mordaz.) Também, você não faz outra coisa: caçar, não é?
BIÉ:  Qualé o meu!
LEILA:  (Amável.) Não tem mau gosto. Acho a caça excitante, viril! (Olhando a cabeça de cervo pendurada na parede.) Nunca pude compreender como vovô conseguiu matar esse animal! Só de pensar em enfrentar um bicho desses ... me arrepio toda!
BIÉ:  Vovô era macho sacudido! Pegava a unha se era preciso!
LEILA:  Como você?!
BIÉ:  (Sorri.) Tar qual!
LEILA:  (Pequena pausa.) Bem! Se a "Vista Alegre" for minha, poderá caçar à vontade.
BIÉ:  (Lentamente, depois de passar a mão na cabeça do cervo.) Éééé! Mais num vai sê!
LEILA:  (Subitamente.) Quer me acompanhar? Tenho medo dos cachorros.
BIÉ:  (Sorri satisfeito.) Ah! meus magrelo são mordedô memo. (Bié sai pelo corredor. Leila vai ao espelho do cabide e se arruma. Bié volta com uma winchester.)


ANALISANDO O TEXTO
1.  A correção da forma "veiacos" para "velhacos" está ligada a uma parte da gramática chamada Fonologia, mais especificamente à ortoepia (ou ortoépia).
Formada por elementos gregos (orto = "correto"; epos = "palavra"), cuida da correta produção oral das palavras.
2.  Em " ... eles estraga do mesmo jeito", existe um problema de sintaxe. É um erro de concordância entre o sujeito e o verbo. A frase deveria ser "Eles estragam do mesmo jeito.".
3.  Em "por que não havera de existir?", o verbo "haver" deveria ter assumido a forma "houvera". A parte da gramática que se ocupa desse tipo de questão é a Morfologia.
4.  Como se pode notar, o texto coloca em contraste diferentes formas de emprego da língua portuguesa. E a passagem em que se evidencia o valor social atribuído a uma dessas formas é a seguinte: "Quantas vezes já disse para não falar assim?! Parece que tem prazer em ser atrasado." O pai considera a linguagem de seu filho "atrasada".
5.  "Dá na mesma, né Leila? Veiacos ou velhacos, eles estraga do mesmo jeito."
A passagem acima nos permite concluir que Bié não demonstra preocupações com a correção gramatical, mas com a realidade. Para ele, o mais importante é o que realmente acontece, e não a forma como se fala sobre o que acontece.
6.  Bié é um tipo literário. O seu modo de falar é fundamental para sua caracterização como menino de fazenda. Ainda mais em se tratando de um texto teatral, em que a linguagem da própria personagem se integra a outros detalhes de caracterização, como a indumentária, a postura e a mímica.
7.  As falas de Bié buscam reproduzir uma forma de língua que habitualmente não se representa por escrito. O autor do texto viu-se obrigado a improvisar essa representação escrita, conseguindo um resultado que, se é capaz de nos sugerir uma certa forma de falar, está muito longe de reproduzi-la fielmente. Tal questão não é simples, pois há uma dificuldade de se propor uma representação gráfica que possua correspondência com aquilo que efetivamente se fala. Se fosse possível essa representação, ela sofreria tantas variações quantas fossem as formas regionais de falar. Portanto, não seria viável abandonar a padronização ortográfica, substituindo-a pela reprodução escrita exata daquilo que falamos. A padronização, mesmo sendo trabalhosa, torna uniforme a forma escrita da língua.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ano I - número 5 - set./out. / 12: A língua - texto 3

TEXTO:  BRISTON, J. H. & MILES, D. C.  Tecnologia dos polímeros.

Poliacrilatos e polimetacrilatos

         A história de laboratório dos monômeros acrílicos começou em 1843, quando da primeira síntese do ácido acrílico.
        A isto seguiu-se em 1865 a preparação do etil-metacrilato, por Frankland e Duppa, enquanto que em 1877 Fittig e Paul notavam que ele possuía uma certa tendência para polimerizar. Por volta de 1900, a maioria dos acrilatos mais comuns havia sido preparada em laboratório e ao mesmo tempo já existiam alguns trabalhos sobre a sua polimerização. Em 1901, o Dr. Rohm, na Alemanha, começou um estudo sistemático no campo dos acrílicos e mais tarde tomou parte ativa no desenvolvimento industrial dos polímeros do éster acrílico naquele país. O polimetilacrilato foi o primeiro polímero acrílico produzido industrialmente (por Rohm e Haas, em 1927). Foi vendido como uma solução do polímero em solvente orgânico e foi usado principalmente em lacas e formulações para revestimentos superficiais. Mais tarde, Rowland Hill (da I.C.I.) estudou o metilmetacrilato e sua polimerização em profundidade, enquanto que Crawford (também da I.C.I.) desenvolveu um método econômico para a fabricação do monômero.


ANALISANDO O TEXTO
1. A fim de que se consiga a compreensão perfeita do presente texto faz-se necessário conhecimento de química orgânica, isto é, um conhecimento técnico para compreender a linguagem técnica utilizada.
2. Concluindo a série de três textos, percebe-se como as variações lingüísticas podem decorrer de fatores geográficos, sociais e técnicos.

sábado, 21 de julho de 2012

Ano I - número 4 - jul./ago. / 12: A língua - texto 2

TEXTO: da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988

CAPÍTULO III
Da Educação, da Cultura e
do Desporto
Seção I
Da Educação

         Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado  e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
        Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
        I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
        II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
       III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
     IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
        V - valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;
       VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
         VII - garantia de padrão de qualidade.


ANALISANDO O TEXTO
O texto da nossa Constituição possui caráter oficial. Por isso, a forma de língua portuguesa empregada é a variedade culta. Essa forma de língua se liga estreitamente ao acesso à informação e à cultura consideradas superiores. O domínio da variedade culta se constitui pré-requisito para alcançar a plena cidadania.


sábado, 19 de maio de 2012

Ano I - número 3 - mai./jun. / 12 : A língua - texto 1

TEXTO: poema - autor: Patativa do Assaré
O poeta da roça

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabaio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mio.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão, 
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o caboco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquero vestido de coro,
Brigando com o toro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade.
Cantando as verdade das coisa do Norte.


ANALISANDO O TEXTO
1. A língua é o principal código desenvolvido e utilizado pelos homens em sua vida social. Por isso, ela será transformada no centro de nosso interesse nesta série de três textos a ser apresentada. Três textos com três formas diferentes assumidas pela língua portuguesa.
2. A forma de língua utilizada neste primeiro texto imediatamente nos remete à realidade sertaneja. O poeta popular Patativa do Assaré optou conscientemente por essa forma, como bem o demonstra o texto.
3. Trata-se de uma poética, isto é, um texto que expõe as propostas de criação de um poeta. Por causa disso, a forma lingüística optada pelo artista se harmoniza com a temática de sua poesia. Ele escolheu abordar a realidade sertaneja, utilizando para tanto o falar do sertão. Concluímos que as formas regionais da língua podem produzir literatura de bom nível.
4. As formas "fio", "mio" e "paioça" (correspondentes, na língua culta, a "filho", "milho" e "palhoça", respectivamente) e os plurais "das mata", "das brenha", "das roça e dos eito", "dos home" devem ser considerados. Não são "erros" aleatórios. As diferenças entre essas formas e aquelas da língua culta possuem sua lógica própria. Na verdade, os denominados "erros" indicam mecanismos gramaticais distintos dos da forma culta. Tais mecanismos são coerentes. No caso, trata-se da eliminação sistemática de um determinado fonema ( representado pelo dígrafo consonantal lh) e da marca de plural no final dos substantivos, uma vez que o plural aparece nos artigos.   

sábado, 17 de março de 2012

Ano I - número 2 - mar./abr. / 12: A comunicação - texto 2

TEXTO: anúncio publicitário - Central de Outdoor
Tente ler este anúncio dirigindo.

            O anúncio de revista é rico em informações. Pode dar toda a literatura necessária sobre um produto. Explicar o que é, como funciona, a forma de pagamento, enfim, pode dar todos os detalhes tintim por tintim.
          Ele é fantástico para um sujeito que dispõe desse tempo que você está tendo agora. Para folhear calmamente, lendo artigos e anúncios.
              Já no trânsito, para passar a mensagem a quem está passando, aí o outdoor é imbatível.
         Ele é rápido, telegráfico, gigante. Ótimo para anúncios institucionais ou promocionais de qualquer produto ou serviço.
       O outdoor também apresenta um dos recalls mais elevados, dentro de uma relação custo/benefício bem atraente.
           Dependendo do produto e seu mercado, você pode utilizar o outdoor para cercar o Brasil inteiro, um estado, uma cidade ou simplesmente um bairro. E vender tanto para o Brasil quanto para um bairro com a mesma eficiência, é uma versatilidade que nenhum outro veículo tem.
             Além do quê, o outdoor é o seu último apelo ao consumidor antes da compra. Porque ele está ali, na rua, bem próximo ao seu ponto de venda. E, você há de concordar, num mercado tão competitivo quanto o nosso isso pode ser decisivo.
              São detalhes como esse que você, anunciante, não pode deixar de levar em conta na hora de programar sua mídia. Principalmente se você quiser atingir um público como esse nosso, dirigido.


ANALISANDO O TEXTO
1. O presente texto se configura muito apropriado à discussão das características dos canais de comunicação e sua adequação às estratégias comunicativas.
2. O emissor e o receptor da mensagem estão claramente definidos. O emissor é a agência de publicidade, ou seja, a Central de Outdoor. O receptor é o anunciante em potencial, isto é, no caso, o leitor da revista, provavelmente um profissional da comunicação.
3. A elaboração da mensagem permite concluir que se trata de um texto direcionado a um público com certo grau de especialização. Pode-se comprovar essa afirmação através dos seguintes elementos: a presença de termos técnicos como "anúncios institucionais ou promocionais", "recalls", "relação custo/benefício", "mídia" e "público dirigido".
4. O texto evidencia características de diferentes canais de comunicação, isto é, a revista e o outdoor. Descreve a revista como um canal rico em informações, próprio ao receptor que possui tempo disponível para absorvê-las. Já o outdoor é descrito como um canal rápido, telegráfico e capaz de informar instantaneamente sobre um tema determinado.
5. A elaboração de uma determinada mensagem obedece a uma estratégia que objetiva ampliar o seu alcance e a sua eficiência. As mensagens que nos cercam e nos atingem derivam de estratégias comunicativas conduzidas por profissionais de marketing especializados. Podemos observar isso em veículos como jornal, televisão e rádio. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ano I - número 1 - jan./fev. / 12 : A comunicação - texto 1

                   Apresento aos prezados internautas o meu novíssimo blog, denominado BLOG PROF. STEFAN - LÍNGUA PORTUGUESA - TEXTOS. Como o próprio nome do blog sugere, o texto, sendo a unidade básica da linguagem verbal, será também prioridade e ponto de partida da exposição e reflexão dos fatos lingüísticos.
         O estudo gramatical desenvolver-se-á de forma viva e dinâmica, útil e prazerosa. Para tanto, ele será realizado de maneira contextualizada para aperfeiçoar a capacidade de elaboração de frases e textos bem construídos. A língua portuguesa viva e atuante se manifesta por meio das frases e dos textos que expressam as variadas e ricas faces comunicativas.
              Diversos tipos de textos marcarão presença neste blog: de jornais e revistas, poemas e crônicas da atualidade, letras de músicas etc.
           As referências gramaticais devidamente contextualizadas objetivam apresentar, sempre de forma clara, os fatos fundamentados da língua portuguesa culta.
          Com certeza, o estudo da gramática será transformado num expressivo recurso de aprimoramento da leitura e da produção de textos.
         Espero que você, internauta ávido de conhecimentos gramaticais para o seu aperfeiçoamento comunicativo, utilize este blog com bastante proveito! Portanto, seja muito, mas muito bem-vindo mesmo!   PROF. STEFAN

TEXTO: letra de música - composição em parceria entre Chico Buarque & Roberto Menescal
Bye Bye, Brasil
  1. Oi, coração,
  2. Não dá pra falar muito não,
  3. Espera passar o avião.
  4. Assim que o inverno passar,
  5. Eu acho que vou te buscar,
  6. Aqui tá fazendo calor,
  7. Deu pane no ventilador,
  8. Já tem fliperama em Macau,
  9. Tomei a costeira em Belém do Pará,
  10. Puseram uma usina no mar,
  11. Talvez fique ruim pra pescar,
  12. Meu amor.
  13. No Tocantins,
  14. O chefe dos parintintins
  15. Vidrou na minha calça Lee,
  16. Eu vi uns patins pra você,
  17. Eu vi um Brasil na TV,
  18. Capaz de cair um toró,
  19. Estou me sentindo tão só,
  20. Oh, tenha dó de mim.
  21. Pintou uma chance legal,
  22. Um lance lá na capital,
  23. Nem tem que ter ginasial,
  24. Meu amor.
  25. No Tabariz,
  26. O som é que nem os Bee Gees,
  27. Dancei com uma dona infeliz,
  28. Que tem um tufão nos quadris,
  29. Tem um japonês trás de mim,
  30. Eu vou dar um pulo em Manaus,
  31. Aqui tá quarenta e dois graus,
  32. O sol nunca mais vai se pôr,
  33. Eu tenho saudades da nossa canção,
  34. Saudades de roça e sertão,
  35. Bom mesmo é ter um caminhão,
  36. Meu amor.
  37. Baby, bye, bye,
  38. Abraços na mãe e no pai,
  39. Eu acho que vou desligar,
  40. As fichas já vão terminar,
  41. Eu vou me mandar de trenó
  42. Pra Rua do Sol, Maceió,
  43. Peguei uma doença em Ilhéus,
  44. Mas já tô quase bom.
  45. Em março vou pro Ceará,
  46. Com a bênção do meu orixá,
  47. Eu acho bauxita por lá,
  48. Meu amor.
  49. Bye, bye Brasil,
  50. A última ficha caiu ,
  51. Eu penso em vocês night and day,
  52. Explica que tá tudo okay,
  53. Eu só ando dentro da lei,
  54. Eu quero voltar, podes crer,
  55. Eu vi um Brasil na TV,
  56. Peguei uma doença em Belém,
  57. Agora já tá tudo bem,
  58. Mas a ligação tá no fim,
  59. Tem um japonês trás de mim,
  60. Aquela aquarela mudou,
  61. Na estrada peguei uma cor,
  62. Capaz de cair um toró,
  63. Estou me sentindo um jiló,
  64. Eu tenho tesão é no mar,
  65. Assim que o inverno passar,
  66. Bateu uma saudade de ti,
  67. Tô a fim de encarar um siri,
  68. Com a bênção do Nosso Senhor,
  69. O sol nunca mais vai se pôr.
ANALISANDO O TEXTO
1. O estudo da língua se torna muito mais relevante quando é integrado ao painel da comunicação humana. Por essa razão, os dois primeiros textos são dedicados a esse tão importante tema. A língua pode fornecer informações a respeito da origem social dos interlocutores, do grau de intimidade existente entre eles, do tratamento da mensagem de acordo com o perfil do receptor.
2. O texto nos apresenta um ato de comunicação em pleno desenvolvimento. A linguagem utilizada é coloquial e descontraída, sugerindo uma relação íntima entre o emissor e o receptor. O canal de comunicação que os une é o telefone.
3. O texto organiza a mensagem por meio da enumeração aparentemente desconexa de fatos e imagens. Essa enumeração indica a desorganização da mente do emissor da mensagem, que parece ter uma existência aventureira e errante num universo confuso e desconhecido.
4. O referente a que a mensagem remete é uma situação, ou seja, a situação em que se encontra o saudoso e desencontrado emissor.
5. A falta de uniformidade de tratamento é uma das marcas da coloquialidade do texto. A mistura dos tratamentos "tu" e "você" é condenada na forma culta. "Espera (tu) passar o avião" (linha 3), "Eu acho que vou te buscar" (l. 5), "Eu vi uns patins pra você" (l. 16), "Oh, tenha (você) dó de mim" (l. 20), "Explica (tu) que tá tudo okay" (l. 52), "Eu quero voltar, (tu) podes crer" (l. 54), "Bateu uma saudade de ti" (l. 66). Todas essas frases deveriam adotar uma mesma forma de tratamento. Assim, teríamos na terceira pessoa: "Espere (você) passar o avião", "Eu acho que vou buscar você" ou "Eu acho que vou buscá-la", "Explique (você) que está tudo okay", "Eu quero voltar, pode crer", "Bateu uma saudade de você".
6. As marcas de coloquialidade são inúmeras. Eis algumas delas: "Não dá pra falar muito não" (l. 2), "Aqui fazendo calor" (l. 6), "Já tem fliperama em Macau" (l. 8), "Vidrou na minha calça Lee" (l. 15), "Pintou uma chance legal" (l. 21), "Um lance lá na capital" (l. 22), "O som é que nem os Bee Gees" (l. 26). Essa forma de utilizar o código nos permite observar a relação entre emissor e receptor como muito próxima, sem nenhuma formalidade social.
7. Se a relação entre o emissor e o receptor da mensagem fosse extremamente formal, o trecho localizado nas linhas 21, 22 e 23, por exemplo, poderia ser adequado assim: Surgiu uma excelente oportunidade, uma colocação lá na capital. Não é necessário sequer ter concluído o ensino fundamental para obtê-la.
8. A construção do texto na forma de conversa telefônica possibilita contrapor um Brasil que está próximo do emissor a um Brasil que se pode ver na TV. Trata-se do Brasil devastado pelos empreendimentos de desenvolvimento do governo em oposição ao Brasil rural e urbano das regiões já ocupadas.