domingo, 17 de maio de 2015

Ano IV - número 21 - mai./jun. / 15: Estudo dos pronomes (classe variável) - texto 1

TEXTO:
-Me
  1. Gargal(h)o de mim
  2. Lúcido-me tolo.
  3. Olhos de análise, tudo sei
  4. Menos o mim. Desminto-me.
  5. Me mito ou me mato
  6. Em suor e de lírio
  7. Não sei se sei, se sou ou suo.
  8. Cego, só ego sou
  9. Cogito ergo sum.
  10. Inciente de mim
  11. Não posso verme.
  12. Imparcial, petulante,
  13. Soslaio-me, infrutífero
  14. E fero, voraz, implacável,
  15. Tombo, incapaz-me 
  16. Delirante luz.
(BARROS, Paulo Alberto M. Monteiro de (Artur da Távola). Calentura)


ANALISANDO O TEXTO
1. "Me" e "mim" são pronomes oblíquos. Porém, possuem diferenças e semelhanças entre si: "me" é pronome átono, isto é, não tem tonicidade própria; portanto, nas frases, apóia-se em outra palavra, geralmente um verbo (daí a questão da colocação pronominal). "Mim" é pronome tônico, introduzido sempre por uma preposição essencial. Sintaticamente, ambos desempenham as mesmas funções.
2. O verso 1, "Gargal(h)o de mim" pode ser lido de duas maneiras: "gargalo de mim" e "gargalho de mim". "Gargalo" sugere "constrangimento", "passagem forçada"; o eu lírico constrange-se, submete-se a situações difíceis e, simultaneamente, ri (gargalha) de si mesmo, não levando a sério a si próprio.
3. O poema explora seguidamente a possibilidade de se ler determinadas seqüências de mais de uma maneira. "Em suor e de lírio" (verso 6): da flor com esse nome ou "delírio", êxtase; "Não posso verme." (verso 11): "verme" (substantivo) ou "ver-me" (verbo + pronome); "Delirante luz." (verso 16): adjetivo que se refere a delírio ou "delir ante" (verbo + preposição).
4. O poema também transforma freqüentemente palavras de outras classes gramaticais em verbos. Eis as ocorrências: "Lúcido-me" (verso 2); "Me mito" (verso 5); "Soslaio-me" (verso 13); "Incapaz-me" (verso 15). Em todos esses casos, o verbo aparece por causa da aproximação do pronome oblíquo "me", que adquire valor de objeto.
5. Sem sombra de dúvida, o poema constitui a expressão de um conflito interior, em que duas tendências se chocam: a tendência da supervalorização pessoal e a tendência do menosprezo pessoal. Com esse sentido, o título do poema é muito significativo e expressivo porque aponta a situação de objeto de si mesmo a que o eu lírico se submete.