TEXTO:
-Me
- Gargal(h)o de mim
- Lúcido-me tolo.
- Olhos de análise, tudo sei
- Menos o mim. Desminto-me.
- Me mito ou me mato
- Em suor e de lírio
- Não sei se sei, se sou ou suo.
- Cego, só ego sou
- Cogito ergo sum.
- Inciente de mim
- Não posso verme.
- Imparcial, petulante,
- Soslaio-me, infrutífero
- E fero, voraz, implacável,
- Tombo, incapaz-me
- Delirante luz.
ANALISANDO O TEXTO
1. "Me" e "mim" são pronomes oblíquos. Porém, possuem diferenças e semelhanças entre si: "me" é pronome átono, isto é, não tem tonicidade própria; portanto, nas frases, apóia-se em outra palavra, geralmente um verbo (daí a questão da colocação pronominal). "Mim" é pronome tônico, introduzido sempre por uma preposição essencial. Sintaticamente, ambos desempenham as mesmas funções.
2. O verso 1, "Gargal(h)o de mim" pode ser lido de duas maneiras: "gargalo de mim" e "gargalho de mim". "Gargalo" sugere "constrangimento", "passagem forçada"; o eu lírico constrange-se, submete-se a situações difíceis e, simultaneamente, ri (gargalha) de si mesmo, não levando a sério a si próprio.
3. O poema explora seguidamente a possibilidade de se ler determinadas seqüências de mais de uma maneira. "Em suor e de lírio" (verso 6): da flor com esse nome ou "delírio", êxtase; "Não posso verme." (verso 11): "verme" (substantivo) ou "ver-me" (verbo + pronome); "Delirante luz." (verso 16): adjetivo que se refere a delírio ou "delir ante" (verbo + preposição).
4. O poema também transforma freqüentemente palavras de outras classes gramaticais em verbos. Eis as ocorrências: "Lúcido-me" (verso 2); "Me mito" (verso 5); "Soslaio-me" (verso 13); "Incapaz-me" (verso 15). Em todos esses casos, o verbo aparece por causa da aproximação do pronome oblíquo "me", que adquire valor de objeto.
5. Sem sombra de dúvida, o poema constitui a expressão de um conflito interior, em que duas tendências se chocam: a tendência da supervalorização pessoal e a tendência do menosprezo pessoal. Com esse sentido, o título do poema é muito significativo e expressivo porque aponta a situação de objeto de si mesmo a que o eu lírico se submete.