segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ano III - número 17 - set./out. / 14: Estudo dos adjetivos (classe variável) - texto 1

TEXTO:
Extermínio também é brincadeira
Gilberto Dimenstein

         BRASÍLIA - A imprensa revelou ontem uma nova "brincadeira" inventada por crianças numa escola do Rio. O nome da brincadeira: "extermínio". No intervalo, escolhem um menino pequeno a ser submetido a uma sessão de pancadaria. Na quarta-feira passada, um garoto de sete anos, uma das vítimas, foi levado pela mãe direto ao Hospital da Lagoa. Estava com o corpo repleto de hematomas.
            O terrível da notícia não é apenas o garoto cheio de hematomas, mas como a violência vai-se incorporando ao cotidiano, capaz de virar brincadeira. A banalização da violência é, hoje, a principal questão política brasileira _ interessa mais à população do que a reforma ministerial ou a composições no Congresso. Está em jogo a eficácia do Estado de Direito democrático. Está em jogo também direito à vida. Em certas áreas, o direito de ir e vir é uma ficção. Quem vai pode não voltar.
         Daí ser absolutamente espantosa a reação de Leonel Brizola à entrevista do ministro Célio Borja. O ministro comparou o Rio a Beirute no auge da guerra. Brizola preferiu, entretanto, fazer uma competição. Disse que São Paulo era pior _ portanto é, concluiu com a precisão de engenheiro, uma "Beirute e meia". Só a indigência pode explicar a comparação macabra. O governador parece mais preocupado com a estatística do que com a violência.
      Tanto faz se o assassinato é no Rio, São Paulo, Paraná. A degradação é nacional. Quando crianças inventam brincadeiras como "extermínio", a vergonha não é do carioca, mas do brasileiro. Quando os governadores Luiz Antônio Fleury Filho e Leonel Brizola ficam competindo para saber quem administra o Estado menos violento, a vergonha não é do Rio ou São Paulo _ é de todos nós.
             Essa medíocre disputa não ajuda ninguém. Ambos, na realidade, deveriam estudar, juntos, mecanismos de colaboração, já que os marginais não são bairristas _ assaltam e matam em qualquer lugar. Será mais civilizado e inteligente que eles se comovam mais com o menino de sete anos cheio de hematomas do que com as estatísticas de uma competição inútil.  (Folha de S. Paulo, 24/4/92.)


ANALISANDO O TEXTO
1. Os dois primeiros parágrafos introduzem e delimitam o assunto do texto: a banalização da violência no cotidiano brasileiro. O texto chega a esse assunto depois de, no primeiro parágrafo, apresentar a nova brincadeira das crianças de uma escola da cidade do Rio de Janeiro. O segundo parágrafo faz um comentário dessa brincadeira, definindo, assim, o tema do texto.
2. A palavra daí, no começo do terceiro parágrafo, estabelece uma relação entre o conteúdo dos dois primeiros parágrafos (a exposição da nova brincadeira infantil e a constatação da banalização da violência) com dados novos: as palavras do então governador do estado do Rio de Janeiro em resposta a comentários do então ministro da Justiça. A relação estabelecida é de causa e conseqüência entre as informações iniciais sobre a violência e o espanto provocado pelas declarações do governador.
3. O quarto e o quinto parágrafos expõem a conclusão a que o texto chega: em lugar de disputas estatísticas, os governadores dos estados do Rio e de São Paulo deveriam esforçar-se para combater a violência _ banalizada e interestadual. Ao expor essa conclusão, o texto retoma a brincadeira infantil inicial, particularmente a vítima dela, e a relaciona com os governadores.
4. Com certeza, o título do texto é irônico, pois, além de se referir à nova brincadeira infantil, indica que o extermínio real, banalizado na existência cotidiana, tem sido tratado com muito pouca seriedade por aqueles que deveriam tentar diminuí-lo.
5. Existe diferença de significado entre as formas "a terrível notícia" e "o terrível da notícia". A segunda forma realça a qualidade, o atributo, e não o ente qualificado.
6. No terceiro parágrafo, o adjetivo "espantosa" se encontra no grau superlativo analítico, formado pela utilização do advérbio de intensidade "absolutamente".
7. O adjetivo "pior", também no terceiro parágrafo, encontra-se no grau comparativo de superioridade porque compara os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo _ o segundo é descrito como mais violento nessa passagem. "Pior" significa "mais mau". Portanto, é comparativo de superioridade.
8. No quarto parágrafo, o adjetivo "violento" está no grau comparativo de inferioridade. Os dois estados já citados são comparados novamente.
9. No último parágrafo, o produtor do texto emprega uma adjetivação: "medíocre", "juntos", "bairristas", "civilizado", "inteligente", "inútil". A maior parte desses adjetivos, sobretudo os mais "fortes", indicam julgamentos do autor do texto a respeito dos fatos por ele apontados. Provavelmente os governantes mencionados não considerem sua disputa medíocre ou inútil, por exemplo.